
Percival Puggina
O Prof. Percival Puggina formou-se em arquitetura pela UFRGS em 1968 e atuou durante 17 anos como técnico e coordenador de projetos do grupo Montreal Engenharia e da Internacional de Engenharia AS. Em 1985 começou a se dedicar a atividades políticas. Preocupado com questões doutrinárias, criou e preside, desde 1996, a Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública, órgão do PP/RS. Faz parte do diretório metropolitano do partido, de cuja executiva é 1º Vice-presidente, e é membro do diretório e da executiva estadual do PP e integra o diretório nacional.
À Margem do Referendo: Erasmo e Brecht
Não me recordo de outra ocasião em que nosso povo tenha tido oportunidade de se manifestar sobre algo tão estreitamente relacionado com a utopia quanto neste domingo. O que estava em discussão, de fato, era exatamente isto: um delírio utópico. "Adeus às armas" e viveremos em paz é coisa de lunático, algo que entra em contradição com toda experiência humana e o eleitor brasileiro percebeu. Só o tempo nos dirá, no entanto, se esse momento de contato com o realismo exercerá influência sobre outras decisões políticas que deveremos tomar nos processos eleitorais vindouros. Até agora, a cada pleito, vinha crescendo a adesão da sociedade brasileira às utopias esquerdistas. A maior parte dos desencantados com o governo Lula, por exemplo, é constituída por pessoas que acreditavam piamente na utopia petista que, na oposição, tinha solução para tudo e acusações contra todos.
Mas se a tese central da proibição do comércio de armas e a publicidade do "Sim" era um delírio, um "elogio à loucura" (para adotarmos o título da obra de Erasmo), os argumentos usados para tentar roubar aos cidadãos brasileiros um direito natural à legítima defesa, era um elogio à mentira. Esse elogio é feito por Bertold Brecht em "Die Massnahme", na famosa frase em que exalta o compromisso dos comunistas com a causa e o papel que a mentira representa para sua vitória. Portanto, entre Erasmo e Brecht, entre a loucura e a mentira, andaram a tese e a campanha do "Sim".
Domingo foi um dia esplêndido. A derrota do governo e do partido do governo, comprometidos até as orelhas com o referendo e com o "Sim", a derrota da Rede Globo e seus astros, a derrota das ONGs internacionais, a derrota da Glock (fabricante austríaca de armas) e de seus interesses no referendo brasileiro, e a derrota pessoal de Lula, que escreveu um artigo para a Folha de São Paulo com o título "Mais vida, menos armas", foram vitórias do discernimento do cidadão brasileiro. Ele percebeu onde estavam a loucura e a mentira. A utopia e a mistificação.
Agora é a vez do Congresso Nacional. A derrota do "Sim" pode e deve ser entendida como um veto nacional ao próprio Estatuto do Desarmamento, que precisa ser repensado em sua concepção. Caiu o disposto no art. 35 (a proibição à comercialização), mas o resultado foi tão acachapante que os senhores congressistas devem repensar muitas demasias embutidas na lei que aprovaram.
Surto Psicótico Depressivo?
Então vejamos se é assim mesmo. O governo Lula se apresenta como o pai dos pobres, mas é a mãe dos banqueiros. O Brasil ponteia, com vários corpos de vantagem, o páreo da taxa de juros entre os países planeta. A agiotagem aqui oficializada eleva a remuneração capital a níveis mais do que estratosféricos. Eles são galáticos. A esquerda da CNBB repreende o governo exatamente pela desatenção aos despossuídos, cujo zelo seus prelados imaginavam ser a mola propulsora do petismo socialmente ascendente. Pergunte aos aposentados e aos aposentandos sobre os malefícios que lhes produziu a Reforma Previdenciária do governo Lula. E, depois, indaguem aos nababos da pátria o que pensam sobre a condução petista desse e de outros assuntos da economia. Ao FMI sequer precisam interrogar porque ele se antecipa em mensagens de louvor ao governo brasileiro, gerador de um superávit primário bem maior do que o Fundo exige e quitador antecipado das parcelas da nossa dívida.
Lula se elegeu com dois terços dos votos, subiu a rampa como Jesus entrou em Jerusalém. Aprovou no Congresso tudo que quis. Enrolou-se no maior escândalo da história nacional e mantém um índice de aprovação pessoal invejável para quem se aproxima do fim do governo. Em 34 meses não corrigiu nada do que herdou errado e não apresenta benefício que não tenha recebido como herança ou que não haja lhe caído no colo a partir do ciclo de crescimento da economia mundial (devido, aliás, a uma integração que o PT sempre condenou).
O que ocorreu na área política está bem nítido ainda em todas as retinas. Quem diz que o mensalão não existiu imaginava, talvez, que ele correspondesse a um pagamento todo santo dia 30, com contracheque e crédito em conta. Convenhamos. Quase duas dezenas de deputados foram pegos na boca do caixa. Dezenas de outros receberam dos deputados Waldemar Costa Neto, José Janene e Roberto Jefferson (aos quais foram concedidos valores milionários, que alegam haver repassado, mas se recusam a dizer a quem). Dinheiro mal-havido circulou pelo país em malas, maletas e cuecas. O presidente confessou a existência e o uso do caixa dois. Pediu desculpas à nação. Renunciou todo o comando do partido do presidente. Caiu seu chefe da Casa Civil. Tombaram dirigentes de poderosas estatais. Uma dúzia de deputados está denunciada à Comissão de Ética. Meia dúzia renunciou ao mandato. E nada foi provado? Então Brasília foi acometida de um pavoroso surto psicótico depressivo
Desarmamento, Paz e Direito Natural
Dado que a preservação da vida é um instinto natural, todos os códigos, da Bíblia aos mais modernos estatutos das sociedades democráticas (e até o Catecismo da Igreja Católica, senhores bispos da CNBB que pediram voto para o "sim"), asseguram a legítima e proporcional defesa perante a agressão injustificada. Direitos naturais são aqueles que nascem com a pessoa humana. Existem independentemente das leis, que não são concebidas para os determinar, mas para os reconhecer, assegurar e regulamentar. Da mesma forma que cabe ao Estado o direito de convocar seus cidadãos para colocarem suas vidas em defesa da pátria perante o agressor externo, ou a serviço de uma missão no exterior, cabe aos cidadãos o direito muito mais objetivo de defenderem seus lares, suas próprias vidas e a dos seus familiares se isso se fizer necessário.
Direitos naturais, repito, podem ser regulamentados, mas não podem ser negados. Todos nascemos livres, mas podemos ter essa liberdade tolhida sob determinadas circunstâncias. Temos direito ao uso e posse de nossos bens, mas o exercício desse direito implica obrigações e responsabilidades cujo descumprimento pode causar sua perda. Vale o mesmo para os instrumentos de defesa, entre eles a arma de fogo. Sua aquisição, posse e uso devem ser normalizados, mas não podem ser completamente inibidos pela proibição da comercialização, cuja conseqüência imediata será a prosperidade do contrabando.
Assim como a estratégia da não-violência serviu aos objetivos de Ghandi na Índia, a mesma estratégia não evitou o genocídio dos judeus, previamente desarmados por Hitler durante o nazismo. Esses e outros exemplos da história universal mostram que se requer entre as partes em conflito uma mínima razoabilidade e a existência de certos valores éticos comuns para que a não-violência produza, também, resultados éticos e razoáveis. Obviamente não isso o que ocorre entre o criminoso e sua potencial vítima.
Nenhuma força pública pode garantir a segurança física e patrimonial de todos os cidadãos sob sua jurisdição. Tais instituições podem zelar por ela num sentido coletivo, mas não lhes é possível estar na hora certa, no local exato, em todas as oportunidades em que se faça necessário dar proteção ao cidadão nos campos e nas cidades. Isso nunca foi nem será exeqüível.
O desarmamento compulsório, ou obtido pela proibição da comercialização de armas e munições, não é uma política eficiente para conceder segurança à população ou redução da criminalidade. O Rio Grande do Sul tem uma arma para cada 10 cidadãos, o maior número de armas registradas e um dos mais baixos índices de homicídios. Outros estados, com menos armas, têm índices até sete vezes superior. A Suíça talvez seja o país com a população mais armada. Todo cidadão suíço presta serviço militar e permanece com as duas armas usadas em seu treinamento, cuja munição é periodicamente substituída pelo Estado. E bem sabemos que a Suíça é uma nação pacífica com reduzida criminalidade. Nos quartéis, todos andam armados e não ocorrem crimes. Nos presídios, praticamente não existem armas de fogo e a violência campeia.
A possibilidade da existência de arma no interior de uma propriedade tem, por si só, efeito dissuasório sobre muitas formas de violência. O desarmamento compulsório resultará em problemas ainda maiores do que aqueles que pretende resolver.
Pacífico Sim, Pacifista Não
Ademais, suponho evidente a diferença entre ser pacifista e ser pacífico. O pacifismo que inspira o plebiscito é assumido por aquela pessoa que em nenhuma circunstância, nem mesmo contra a violência, reage de modo violento. O pacifista do plebiscito, ofendido, não ofende; atacado, não revida. Ele sabe que os bandidos andam armados e cometem toda sorte de desatinos, mas entrega seus instrumentos de defesa ao deputado Greenhalgh (não por acaso advogado de muitos bandidos) porque prefere que lhe matem a família a reagir contra um assassino. Não estranho que, à base de propaganda, se transforme isso numa ingênua convicção moral, mas não admito que me exponham às suas conseqüências por força de lei. Já para a esquerda, que começou isso tudo, o desarmamento não é convicção moral. É estratégia. E corresponde, entre outras coisas, a um projeto do MST para pôr na cadeia todo proprietário de área invadida que tiver uma arma em casa.
A imensa maioria da sociedade brasileira não é pacifista, mas pacífica. E isso é coisa bem diferente. Pacífico é aquele que aprecia a paz, detesta a violência, não provoca, não toma a iniciativa de agredir, não incita nem estimula preconceitos, mas revida com prudência se atacado, vai à guerra se convocado e puxa um gatilho se isso for necessário para defender, perante agressão injustificada, a própria vida ou a vida de outrem.
Os pacíficos, a imensa maioria da população, estão sendo vítimas de uma retórica enganosa que os levará a aprovar em plebiscito uma medida castradora, cujo resultado se opõe ao que pretendem, instituindo um seguro de vida ao criminoso e um seguro de saúde ao violento. Admito que alguém não tenha nem queira ter armas de defesa, mas essa pessoa não deveria dispor do direito de sujeitar os demais aos mesmos riscos e insegurança. Aliás, para ser socialmente honesta e bem pacifista mesmo, tal pessoa deve atrair para si a violência, evitando que o agressor chegue em casa de gente que revida e acabe se machucando. Então, deve colocar na frente de sua residência um cartaz afirmando: "No plebiscito voto pelo desarmamento. Nesta casa não temos armas. Podem chegar."
Aos Vencedores, Queijo e Orégano
O país ainda se consome nas fogueiras das CPIs que investigam a maior rede de corrupção já montada para sustentar um projeto de poder e eis que tudo se reproduz. O oficialismo sai a campo para trocar por emendas parlamentares as apostas no parelheiro do comissário de Garanhuns. E depois ainda aparecem sujeitos como eu, mal intencionados, para difamar o governo com acusações de fazer exatamente o que acaba de fazer de novo: comprar votos. No tempo de Fernando Henrique teria havido um incógnito "senhor X" estimulando apoios à emenda constitucional que permitiria a reeleição. Agora, o "senhor X" tem nome, conta bancária e entrega o dinheiro lavado e enxaguado.
Num dia, contrariando frontalmente o interesse dos estados exportadores e alegando a necessidade de reduzir gastos, Lula vetou a obrigação de prever as indenizações da Lei Kandir na LDO. No outro, abriu a torneira para molhar a mão de congressistas com 500 milhões de reais destinados a emendas parlamentares. Liberação de recursos para emendas significa, no jargão parlamentar, votos na urna em 2006.
Responda-me, por fim, o leitor: em qual dos dois candidatos votaram os 16 deputados denunciados à comissão de Ética da Câmara? Para responder a essa indagação seria desnecessário saber que os partidos que os denunciaram estavam representados por José Tomaz Nonô. Bastaria tê-los visto, ao vivo, saltitando no plenário a cada voto contado para Aldo Rebelo. Não se sabia se estavam elegendo o pizzaiolo ou o presidente do Congresso Nacional. Assim, dado que o homem do PCdoB venceu a eleição por apenas quinze votos e que os deputados pendurados na Comissão de Ética são dezesseis, resulta inteiramente correto afirmar que a vitória foi assegurada pela turma do mensalão, que deu unânime e solene voto de confiança ao governo e ao seu candidato (grifo nosso). Aos vencedores, diria hoje Quincas Borba, não mais as batatas, mas queijo e orégano!
Manifesto de Um Homem Só
Fato 2. Semanas antes dessa assustadora confissão, o então presidente do STF, ministro Maurício Correa, formulara, à gestão do presidente Lula, críticas que extrapolavam, em muito, os limites constitucionais e a cortesia que devem orientar as relações entre os poderes de Estado. No dia seguinte, os jornais noticiavam que o ministro Nelson Jobim havia procurado Maurício Correa para repreendê-lo. Ao ler a matéria, pensei que o ministro colocara as competências no devido lugar, mas não foi assim. Jobim fora ao encalço de Maurício Correa para afirmar que, na sua opinião, o governo Lula ia muito bem, obrigado. Havia na corte constitucional brasileira bancada de governo e de oposição.
Fato 3. Sessenta magistrados gaúchos acabam de lançar manifesto no qual conclamam o Presidente do STF a afastar a possibilidade de ser candidato à presidência da República ou a renunciar à condição de integrante do Poder Judiciário. E exigem dele que "se atenha aos limites éticos da Magistratura e às regras da Constituição".
Fato 4. Em entrevista, na qual retoma as críticas ao presidente do Supremo, o presidente da Ajuris afirmou que o Poder Judiciário é um poder político, sendo naturais "as declarações políticas, de cunho institucional, proferidas por seus membros", mas são preocupantes as aspirações presidenciais de Nelson Jobim para o pleito de 2006.
Diante desses quatro fatos, que se alinham em paralelo à sucessão de escândalos que chega à opinião pública envolvendo governo e parlamento, resultam surpreendentes as afirmações de que nossas instituições estão funcionando, como se houvesse mérito em funcionar mal e para o mal. Como cidadão brasileiro, peço aos poderes da República que ouçam os juízes gaúchos. E aos juízos gaúchos, peço que reflitam sobre o fato de que se o Poder Judiciário é um poder político, isso não abre qualquer fresta para a ideologização da atividade jurisdicional, como tem acontecido aqui. É exigência da democracia que quem exercite poder de Estado aberto à influência ideológica se submeta periodicamente ao voto popular para ali ser esconjurado ou abençoado pela sociedade. Alinhamento partidário ou ideológico influenciando poder de Estado de modo vitalício é totalitarismo.
A Virtude Faltante
Tinham razão os latinos. Quem for santo reze, quem for sábio ensine e quem for prudente governe.
Refrescando a Memória
Educação é direito de todos, mas o chefe de Estado tem regalias superiores. Mesmo assim, só um partido como o PT poderia fazer Lula presidente da República.
E Se Legalizarmos a Corrupção?
Hipócrita, para mim, é o raciocínio segundo o qual a oficialização do delito, ou da esbórnia, transforma o erro em virtude e, obviamente, os virtuosos em tolos.
Reformar é Preciso
E foi isso que fez o governador Germano Rigotto ao propor que o próximo Congresso Nacional, em seu primeiro ano, assuma tarefa constituinte para promover a mais do que necessária reforma política.