Sempre me pareceram muito evidentes os equívocos doutrinários da Teologia da Libertação e suas graves conseqüências sobre a espiritualidade do clero, a conduta dos leigos e a ação da Igreja. Escrevi sobre isso várias vezes e desabou sobre mim a ira de seus adeptos.
Eles começaram a surgir nos anos 60, com o movimento chamado Cristianos por el Socialismo (CpS), cujos sucessivos encontros internacionais rejeitavam a contribuição cristã para o nascimento do "homem novo" e aclamavam o socialismo como "única opção aceitável" para esse fim (1º Encontro Latino-Americano de Santiago, 1972).
Nem em seus melhores sonhos Gramsci supôs que receberia contribuição tão eficiente no uso da linguagem quanto a que lhe prestaram os CpS e a subseqüente Teologia da Libertação a partir do momento em que transformaram os pobres e humildes do Evangelho em "classe social" e a evangelização em "luta de classes". Pablo Richards, Jon Sobrino, Gustavo Gutierrez, nossos Leonardo Boff e Frei Betto, e seus pares, jamais ocultaram os objetivos em direção aos quais se moviam: a construção de uma sociedade socialista, em base marxista (estrategicamente não usam o vocábulo comunista). Em tal sociedade, não havendo classes, surgiria o homem novo, desapareceria o pecado original e viveríamos felizes para sempre sob um regime que, em definitivo, teria produzido aquilo que a Igreja não conseguiu.
A situação torna-se clara: se a Igreja é formada pelos "pobres, oprimidos, conscientizados, lutando por sua libertação", antes mesmo de ser produzida essa libertação a Igreja já teria se evidenciado inútil, pois a realização de seus fins somente poderia ocorrer mediante ferramentas que lhe eram estranhas até o surgimento do marxismo. A Igreja teria sido, então, durante 20 séculos, uma superestrutura (instrumento de dominação, na linguagem marxista) que precisava ser reformulada para uso na construção da hegemonia preceituada por Gramsci. De "superestrutura", viraria "aparelho". E em muitos casos virou mesmo.
Parcela significativa do clero, desde então, não move uma palha nem se sensibiliza se alguém ataca Jesus Cristo, o Papa, a Igreja, a Virgem Maria, mas ai de quem escreva uma palavra contra Betto e Boff, de cuja produção evangelizadora recolho duas frases resgatadas por Adolpho João de Paula Couto em recentíssimo artigo. De Betto: "O que propomos não é teologia dentro do marxismo, mas marxismo dentro da teologia" (JB, 06/04/1980). De Boff: "É uma teologia que faz sentido, que ajuda a criar uma visão das coisas, não necessariamente cristã, porque nós não estamos interessados em que haja mais cristãos, estamos interessados em que haja mais cidadãos participativos, sensíveis, justos, lutadores pela libertação dos seres humanos, e o cristianismo como uma fonte geradora de pessoas assim" (entrevista à Radiobras, 01/12/2003). E seus fãs continuarão irados contra mim por acusar seus gurus de serem e fazerem exatamente aquilo que dizem e escrevem.