Após governos militares os civis chegavam ao poder e o Brasil dava posse a um novo presidente eleito por voto direito. Em seu manifesto, ele apontara as seguintes causas do desequilíbrio orçamentário: a quantidade exagerada de funcionários públicos, o aumento contínuo do número dos inativos, as indenizações que o governo se via obrigado a pagar em decorrência de sentenças judiciais, os gastos com despesas de caráter puramente local votadas pelo Congresso e o protecionismo a indústrias artificiais. Durante a campanha eleitoral prometera cortar despesas, aumentar receitas, reduzir a inflação, valorizar o câmbio. Seu objetivo era recuperar a confiança dos investidores internacionais no país e trazer de volta os capitais externos.
"Quem era esse sujeito, tão original?" estará indagando o leitor. Resposta: Campos Sales, quarto chefe de Estado do período republicano, que governou o Brasil de 1898 a 1902 e ficou conhecido por seus contemporâneos pelo apelido de "Campos Selos" por haver instituído o Imposto do Selo, incidente sobre inúmeras operações.
O fato relatado no parágrafo inicial deste artigo está contido em matéria da Folha de São Paulo do dia 21 de fevereiro de 1999, que tive o cuidado de arquivar. Creio que serve para tornar bem evidente o caráter recorrente de nossas dificuldades estruturais e a conduta inercial de sucessivos governos que, agindo sobre os efeitos sem resolver as causas, levaram o Brasil a atravessar o século no convívio com as mesmas - e cada vez mais severas - dificuldades.
Durante duas décadas, o atual presidente da República e seu partido compuseram a letra, a música e fizeram o coro dos que atribuíam os males do Brasil ao resto do mundo: portugueses, ingleses, norte-americanos, grandes empresas, bancos internacionais e FMI, cada um a seu tempo e vez, exerceram o necessário papel de Judas para a malhação nacional. No plano das idéias, apontavam soluções que não mexiam no Estado e atacavam de morte a atividade empresarial: invasão de terras, estatização, socialização, calote na dívida pública, tributação do patrimônio, redução da jornada de trabalho.
Passados cem anos, o estado brasileiro continua não cabendo no PIB do Brasil. Não consegue pagar suas contas, modernizar-se nos mesmos níveis em que a atividade privada o faz, remunerar adequadamente seus servidores, renovar seus equipamentos, sustentar suas Forças Armadas, construir novas rodovias e manter as existentes, ampliar a infra-estrutura nacional, levar a cabo programas habitacionais minimamente compatíveis com a demanda, fiscalizar fronteiras, combater o crime organizado, qualificar o ensino público. Será que os problemas enfrentados por Campos Sales, no final do século XIX, também se deviam a um tal de neoliberalismo?